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Conhecer direitos e deveres promove integração

Liliana Tinoco Baeckert

A advogada Fernanda Pontes Clavadetscher criou o projeto Saber Direito em 2012, que tem como objetivo de levar gratuitamente consciência forense à comunidade da língua portuguesa residente na Suíça. O assunto é abordado por meio de palestras itinerantes e informações na internet. 

Seu trabalho com imigrantes mostrou na prática a forte conexão entre cidadania e conhecimento. De acordo com a advogada, a desinformação ajuda a criar mitos e crendices na área de direito, e em casos extremos pode até camuflar episódios de violência doméstica. Recomeçar na Suíça não foi fácil, todo residente estrangeiro no país sabe dos percalços para validar diploma e trabalhar, mas o caminho do trabalho voluntário mostrou os atalhos.

* Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

swissinfo.ch: Para muitos o reinicio em outro país é muito difícil. Como foi seu recomeço na Suíça?

Fernanda Pontes Clavadetscher: Em 2008, eu e meu marido decidimos que já era a hora de criar nossos filhos aqui na Suíça, pois seria uma grande oportunidade para eles. Mas quando cheguei e me instalei definitivamente, vi que a realidade era diferente. Uma coisa é você vir a passeio e outra é morar aqui. Os três primeiros anos foram os mais difíceis e acredito que isso acontece com muitos estrangeiros que vêm para cá. Outro clima, outra cultura, outras regras. Com certeza a minha fé foi essencial para o meu recomeço na Suíça e fez com que, aos poucos, eu fosse acreditando que aqui, definitivamente, é o meu lugar.

swissinfo.ch: Como você fez para exercer a sua profissão na Suíça?

F.P.C: Num primeiro momento parecia impossível atuar novamente na área jurídica. Mas, aos poucos fui percebendo que eu poderia trabalhar como consultora jurídica do Direito local e ao mesmo tempo continuar advogando, já que eu tenho as minhas inscrições na Ordem dos Advogados de Portugal e do Brasil. Posso dizer que eu já era apaixonada pela informação como instrumento de trabalho desde os tempos que ainda morava no Brasil. Eu era professora de Direito Civil na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, quando em 2008 decidimos nos mudar para a Suíça. Atualmente, estou cursando mestrado em direito pela Universidade de Zurique para me reciclar. Estudar é sempre muito positivo.

swissinfo.ch : O que te motivou a criar o projeto Saber Direito?

F.P.C. : Na verdade tudo começou no meu meio social logo que cheguei na Suíça. Conforme eu ia fazendo novas amizades, percebi que os imigrantes de língua portuguesa careciam de informações jurídicas básicas, o que me fez refletir sobre essa situação e traçar uma estratégia para solucionar ou pelo menos amenizar esse problema. Com a minha experiência como professora universitária e palestrante no Brasil escrevi um projeto de palestras itinerantes, cujos temas abordavam principalmente o direito suíço. Com a minha entrada no Conselho de Cidadania, tive a oportunidade em apresentar essa ideia ao Consulado-Geral do Brasil em Zurique. Por entender ser um projeto que atenderia uma necessidade latente da nossa comunidade, os ciclos de palestras foram iniciados em junho de 2012, em Lugano, com o apoio do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

No mesmo ano comecei a escrever um blog com informações jurídicas sobre as principais dúvidas dos brasileiros e portugueses residentes na Suíça – www.juridiconasuica.blogspot.chLink externo. Eu estou convencida de que a falta de informação além de limitar a integração, contribui para aumentar imbroglios que poderiam ser facilmente resolvidos. Eu queria que as informações jurídicas importantes para os estrangeiros estivessem ao alcance de todos os imigrantes da língua portuguesa. 

As barreiras causadas pelo entendimento da língua local, alemão principalmente, é o maior obstáculo para o acesso a essas informações. Textos específicos sobre o assunto são muito complexos e a desinformação tende a criar mitos e crendices. É impressionante como a consciência dos seus direitos e deveres contribui diretamente para uma melhor integração e qualidade de vida dos imigrantes na Suíça.

swissinfo.ch:  O que vocês exatamente fazem no Saber Direito?

F.P.C.: Nós levamos informação jurídica à população portuguesa e brasileira, seja por meio das palestras, pré-atendimento pelo site, e-mail e nas principais redes sociais. As postagens são atualizadas constantemente e quem tiver uma dúvida, pode entrar em contato conosco por meio de formulários de atendimento disponíveis no site e até por telefone, em caso de urgência. O Saber Direito ganhou forças com o tempo. Recebeu a participação de outros profissionais, e o que a princípio era um projeto se tornou uma instituição. Hoje o Saber Direito presta informações jurídicas em português por meio do nosso site www.saberdireito.chLink externo e das mídias sociais. Além disso, as palestras itinerantes continuam a acontecer por toda a Suíça e em Liechtenstein.  

Hoje são mais de 10 mil seguidores no Facebook, sendo 71% mulheres, na sua maioria entre 25 a 44 anos. Em quatro anos, o Saber Direito já realizou mais de 20 eventos informativos na Suíça.

Eu preciso dizer que sem a participação de outros profissionais não seria possível atender todas as demandas dos imigrantes que nos procuram. Por isso, contamos com uma equipe multidisciplinar de voluntários. Patrícia Mutzke, por exemplo, é uma parceira ativa que também escreve o blog Brasil na Suíça.blogspot.chLink externo e tem especialização em direito migratório pela Universidade de Berna. Eu também com a colaboração da profissional de comunicação Adriana Hepper Bailoni, que vai me ajudar a ampliar a presença do projeto nas mídias sociais.

swissinfo.ch : Qual a importância do Saber Direito para você e para a comunidade?

F, P. C.: O Saber Direito é a concretização de um projeto no qual acredito. Através das informações que são prestadas em português, o imigrante tem a oportunidade de não só resolver ou se precaver de problemas como também de se sentir acolhido em um país que não é o dele. Pessoalmente, hoje eu sinto uma grande satisfação em auxiliar pessoas que desconhecem seus direitos e deveres, principalmente por saber o quanto isso pode ajudar na melhoria da qualidade de vida de qualquer cidadão. Para mim é uma missão.

swissinfo.ch: Em que sentido o desconhecimento do direito pode atrapalhar a vida de um imigrante?

F. P. C.: Por mais incrível que pareça, o desconhecimento mostra a sua pior face quando o assunto diz respeito à mulher imigrante e, em alguns casos, camufla até violência doméstica. Infelizmente ainda existem esposas que ignoram o fato de que o marido transgride a lei quando agem com agressividade física e psicológica. Elas não sabem o que fazer quando diante da crueldade, aguentam caladas porque têm medo de serem separadas dos filhos e, como acontece com muitos imigrantes, perdem a referência por não saberem se comunicar.

Embora não seja nosso papel fazer esse tipo de atendimento, para isso existem órgãos competentes, nós encaminhamos essas pessoas às entidades que poderão ajudá-las, não sem antes e informá-las que agressão é um ato criminoso. A primeira recomendação é que elas sempre, em qualquer hipótese, chamem a polícia.

swissinfo.ch : Quais são os maiores mitos e crendices com relação a direitos e deveres por parte dos imigrantes de língua portuguesa?

F. P. C.: Com certeza a falta de informação colabora para o surgimento de muitos mitos, principalmente quando o assunto está ligado ao Direito de Família, já que cada caso é um caso e, por isso, cada situação deve ser analisada individualmente. Pensão alimentícia, por exemplo, é um clássico. Outro tema que vemos muito no Saber Direito é o medo da perda da guarda dos filhos. Também existem outras questões que chegam até nós relativas a registro do casamento e ao divórcio.

swissinfo.ch: Que dicas você daria para quem está recomeçando sua profissão na Suíça?

F. P. C.: Antes de qualquer coisa, tenha fé e acredite no seu potencial! A pessoa tem que confiar no recomeço. Informe-se sobre como poderá atuar na sua profissão na Suíça. Se for preciso, volte para os bancos da faculdade ou faça cursos profissionalizantes. Procure se integrar. A conexão com a população local é muito importante e lhe fará bem. Saiba como funcionam as leis e as regras do país, pois assim evita uma série de transtornos.  

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