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O desafio da integração de imigrantes com síndrome de Down na Suíça

Amanda Almeida reside em Genebra há dois anos. swissinfo.ch

Com praticamente um quarto da população composta por estrangeiros, a Suíça tem entre as suas preocupações centrais promover a integração dos cidadãos. O desafio adquire importância ainda maior ao se tratar da assimilação de crianças imigrantes com necessidades especiais. Essa parcela vulnerável da sociedade vem obtendo vitórias, mas ainda luta contra estigmas e modelos que dificultam o acesso delas ao sistema educacional.  

Essa é a história de Amanda, Adrian, Emer, Letícia e tantos outros, que desejam ser aceitos com normalidade. As famílias desses jovens buscam a inclusão dos seus filhos num contexto de estudo padrão, mas tiveram de enfrentar dificuldades para assegurar o acesso deles à escola. Cada cantão lida com o assunto na sua própria forma e reformas que permitem uma abordagem uniforme vêm enfrentando resistência de alguns setores mais conservadores.

Resistência é justamente o que vivenciou Amanda, carioca com síndrome de Down que reside em Genebra há dois anos. A menina teve o pedido de inscrição em um colégio público regular rejeitado. A mãe, Patrícia Almeida, que é diplomata e ativista da causa se sentiu profundamente decepcionada com a decisão do estado.

“Ela tem condições de acompanhar, pois é alfabetizada e capaz, mas eles não quiseram nem considerar”, diz Patrícia. A jovem recebeu um convite para frequentar as instituições especiais comandadas pelo Estado, mas a família – após infrutíferas tentativas de reverter a avaliação- preferiu educá-la com uma tutora particular.

Atualmente com 27 anos, Adrian Albrecht também precisou custear alternativas do próprio bolso para conseguir experimentar uma vida normal. O jovem enfrentou resistências diretas e veladas à sua inscrição no sistema educacional padrão nos anos 90.

“Naquela época não se falava em integração ainda”, relembra a mãe Priscilla, suíça nascida na Argentina. “A única proposta que existia era a institucionalização das crianças. Era colocá-las em órgãos fechados simplesmente. Eu disse que não queria isso para ele”, recorda. 

Desde o começo, a família desejava ver o jovem em uma rotina comum, mas isso só foi possível no sistema privado. “Até os 11 anos o governo não nos deu nada. A creche e o colégio fomos nós que pagamos. O estado não nos deu nenhum centavo à partir do momento em que insistimos na integração”, lamenta.

Mudanças e resistências

Após ter ratificado em 2013 a Convenção pelo Direito das Pessoas com DeficiênciaLink externo, a Suíça tem reforçado seu comprometimento em cumprir o objetivo do documento internacional, que estipula a integração de pessoas com Down na sociedade.

Isso requer mudanças práticas na administração em nível cantonal, algo que tem suscitado dúvidas entre os profissionais de saúde que lidam com crianças especiais. Em abril, no cantão de Genebra, mais de 500 funcionários do OMPLink externo (Office Médico-Pédagogique), o Escritório Médico-Pedagógico, assinaram uma carta aberta à política Anne Emery-Torracinta, questionando a forma como se dará a inserção das crianças especiais no sistema aberto.

No texto os servidores afirmavam se opor “…a qualquer anexação do nosso escritório às escolas ordinárias, porque nos recusamos a assumir o risco de reduzir a especificidade e qualidade das nossas intervenções diante de crianças e jovens com dificuldades”.

Os trabalhadores temem que as mudanças provoquem uma fissão entre os setores médico e pedagógico da organização e argumentam que uma abordagem completa necessita abraçar apoio clínico também.

Alguns números

– Números do Departamento Nacional de Estatísticas obtidos à pedido da swissinfo.ch mostram um aumento no número de bebês com Down à partir de 2003, tendência que atingiu o auge em 2012, quando 1,08% de todos os nascidos apresentaram a síndrome.

– Em 2003, início da série histórica, foram registrados 40 bebês com Down num total de 71.848 nascimentos, ou seja, 0,56%.

– Já em 2015, dado mais recente disponível, a porcentagem de bebês que nasceram com Down em relação ao número total de nascimentos foi respectivamente de 0,74% (64 dos 86.559 nascimentos).

– Em nota à swissinfo.ch, o porta-voz do Departamento Nacional de Saúde afirmou que falta uma compreensão definitiva sobre as razões do aumento de bebês com Down.

– “Não há uma explicação para o número crescente de mulheres dando à luz mais crianças com síndrome de Down. Há duas tendências contraditórias: a idade média de mulheres que engravidam está aumentando, portanto é de se esperar que mais gravidezes de risco ocorram. Por outro lado, diagnósticos de pré-natal melhoraram, de modo que menos casos deixam de ser detectados (há alta precisão nas novas técnicas não invasivas de teste pré-natal)”, afirmou Daniel Dauwalder.

– Em junho de 2016, os eleitores suíços participaram de referendo para permitir que embriões de fertilização in vitro fossem testados e selecionados geneticamente antes de serem implantados no útero da mãe. A proposta foi aprovada com 63% dos votos. Um ano antes a mesma pergunta já havia sido validada.

– A legislação apesar de permitir a triagem por más-formações genéticas sérias, ainda proíbe a escolha de embriões de acordo com sexo, cor dos olhos e outras características físicas.

– Igualmente não é possível fecundar óvulos para a obtenção e extração de células-tronco, para tratamento de algum irmão doente.

Pais discordam 

É essa percepção, entretanto, o ponto que muitas famílias questionam. Compreender a necessidade especial como “problema de saúde” deixa muitos pais incomodados. Essas famílias discordam do posicionamento da OMP por considerá-lo “corporativista”.

“Existe oposição (da OMP à integração) porque eles perderiam o status de educadores especializados, porque estariam se reportando a um simples diretor e não mais a um médico. Eles estão colocando os seus interesses particulares à frente dos interesses das crianças”, opina Isabella Pimentel, brasileira moradora de Genebra e mãe de um menino com autismo.  

O porta-voz do governo, Pierre-Antonie Preti, afirmou à swissinfo.ch que a polêmica é um mal-entendido. Segundo ele não há resistência infundada, mas sim apoio. “A carta aberta trata de questões administrativas sobre o futuro do Escritório. Os que assinaram essa carta, membros funcionários da OMP, não se opõem à inclusão de alunos com necessidades especiais. A maior parte trabalhou por muitos anos com grande motivação”, defendeu Preti.

Os funcionários da OMP se reuniram com Emery-Torracinta em maio para discutir meios de inclusão para as crianças especiais, que acomodem também as expectativas dos servidores públicos. 

Os cantões de Vaud e Genebra explicaram por meio de nota que cada caso é avaliado individualmente e que a decisão sobre a integração – ou institucionalização- de uma criança é feita com base em diversos fatores.

Outros exemplos

Existem muitos casos bem-sucedidos de crianças com Down inscritas nas escolas normais. Emer de seis anos é uma delas. A filha da irlandesa Laura Mulcahy vai diariamente à aula em Lausanne e foi acolhida com carinho pela comunidade local.

Laura fica com a voz emocionada ao lembrar do apoio que recebeu das famílias dos coleguinhas na primeira reunião de classe. “Nos encontramos com os pais e professores da turma para explicar sobre a síndrome. Todos foram excepcionalmente acolhedores e estavam felizes com a chegada de Emer”. 

Letícia Nogueira agora atende aulas normais com o apoio de uma interprete bilíngue. swissinfo.ch

“Temos recebido muito apoio. Ela vai estudar todas as manhãs e a professora é fantástica. Nos consideramos sortudos, pois em outros cantões não há uma integração tão boa, o que é realmente uma pena”, diz Laura. A mãe atua na organização MoiAussi e ajudou a organizar uma exposição de 21 retratos para promover a conscientização sobre o tema.     

A brasileira de 15 anos Letícia Nogueira também está satisfeita. Ela comemora ter conseguido uma vaga no ensino público aberto e sonha ser chefe. O objetivo da adolescente é construir uma vida independente e produtiva com a família em Nyon.

Antes da mudança para a Europa, a carioca já frequentava um colégio padrão, lia e escrevia, acompanhando o ritmo da turma. Apesar do bom desempenho, a menina com Down foi surpreendida pelo regime de educação institucional que lhe foi inicialmente recomendado na chegada ao cantão de Vaud.

A família Nogueira precisou enfrentar um longo período de avaliações, negociações e deliberações antes de conquistar uma vaga integrada. A mãe, Denise, lembra que o sistema de administração cantonal foi um empecilho num primeiro momento, porque uma indefinição sobre a tutela de responsabilidade criou um período de incerteza. As autoridades locais e federais demoraram de julho a novembro de 2016 para dar uma resposta ao caso de Letícia.

Foi a convicção pessoal de uma inspetora que mudou o futuro da jovem. A Sra.Bertrand, uma oficial do Departamento de Educação Especial, decidiu apoiar a família e levou a solicitação aos superiores.  Depois de uma rigorosa avaliação, os profissionais do Estado concordaram em conceder uma chance à brasileira, que agora atende aulas normais com o apoio de uma interprete bilíngue que a ampara.

“É a realização de um sonho. O que todo pai e toda mãe mais deseja é ver o seu filho bem”, comemora Denise. 


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