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Festa da Tradição mobiliza novas gerações

Tradições suíças revividas na festa do 1° de agosto na Colônia Helvetia.
Tradições suíças são vividas durante as comemorações do 1° de agosto na Colônia Helvetia em Indaiatuba, São Paulo. swissinfo.ch

Ainda que não seja fácil e preocupe os mais velhos, os membros da Colônia HelvetiaLink externo, considerada a maior de descendentes suíços no Brasil, situada na cidade paulista de Indaiatuba, tem conseguido o apoio das gerações mais novas para manter as atividades e festividades tradicionais suíças na região. 

A Festa da Tradição é um exemplo. Em sua 41º edição, o evento realizado no último fim de semana, tem mobilizado vários grupos de jovens que trabalham voluntariamente nos preparativos, seja em grupos de dança, canto ou mesmo em colaborações práticas da organização.

“Este ano aumentamos em dez pessoas o número de participantes”, conta a advogada Raquel Ming, coordenadora voluntária de um dos grupos de dança folclórica Helvetia, que este ano comemora 40 anos. Aos 27 anos, ela dança desde os 3 e ressalta a importância não só de manter a cultura e as tradições, como a de estimular o voluntariado, tão fundamental para a continuidade da colônia. “Acho que só quando criança eu dizia ‘Ah, estou indo porque o meu pai quer’, pois já na adolescência passei a querer vir todos os sábados, domingos, e há cinco anos me tornei coordenadora do grupo adulto de dança, que conta hoje com 36 pessoas”, afirma Raquel, em meio a um dos intervalos do grupo formado por jovens na casa dos vinte e poucos anos.

Maria Ming e os membros do gruo de dança durante ensaio.
Maria Ming e os membros do grupo de dança folclórica suíça durante um ensaio. swissinfo.ch

Participantes como Pedro Henrique Wolf, de 28 anos, que concilia o trabalho e todas as suas outras atividades com as programações da colônia. “Quem está aqui sempre arranja um tempo para participar”, diz ele, referindo-se não só as atividades de dança típica, mas também ao coral e até mesmo as práticas religiosas. “Como somos uma comunidade católica, a gente também assiste as missas”, relata Pedro. Descendente de uma das quatro famílias fundadoras da colônia, ele acrescenta que além de manter a cultura dos seus antepassados, o local e as atividades são uma forma de entretenimento e local de convívio. 

Pioneiros

Mais do que preocupação na manutenção da Colônia HelvetiaLink externo, um dos seus o ex-presidentes, José Carlos Bannwart, ressalta que os descendentes têm a obrigação de dar continuidade a tudo que os pioneiros construíram. Segundo ele, em 1988, ano de centenário da colônia, foram registradas 8.300 pessoas descendentes das quatro famílias fundadoras da colônia: os Ambiel, Amstalden, Bannwart e Wolf. “Hoje este número deve estar próximo de 10 mil”, calcula.

José Carlos conta que essas famílias deixaram suas vidasLink externo no cantão Obwald, na Suíça, atraídos pelo trabalho nas fazendas de café, então esvaziadas com o fim da escravidão. “Os primeiros imigrantes não chegavam a 50 pessoas”, diz ele, salientando a visão desses pioneiros em terem juntado suas economias, aproveitado a queda dos preços das fazendas à época, e comprado uma
delas seis anos logo depois de terem chegado ao País. E assim, darem início a formação da Colônia Helvetia.

Antes mesmo de construírem as próprias casas, ele conta que os fundadores se preocuparam em erguer uma construção destinada ao ensino e as práticas religiosas. “Embora fossem muito simples, eles eram muito preocupados com a educação e viam no Brasil uma oportunidade de se desenvolverem”, conta José Carlos, lembrando das dificuldades da Suíça naquele período. Já a igreja, foi construída dez anos depois da formação da colônia, por meio de um mutirão. “Eles fizeram uma associação e a construíram em um ano, tendo havido muito pouca mudança de lá para cá, apenas a abóboda no lugar do forro de madeira e trocados os vitrais para contarmos a história de São Nicolau, que à época da construção ainda não tinha sido canonizado”, conclui.

E o que ganham com isso? A resposta deles a essa pergunta é um convite a uma visita à colônia, onde essas atividades são abertas até para quem não é descendente. “Sempre nos perguntam quanto custa participar”, conta Raquel. Ela diz que as pessoas ficam surpresas ao saberem que não há valor para isso. “O custo é o comprometimento de sair de casa, vir aqui em um sábado pela manhã, estar presente nas apresentações, porque é isso que a gente pede”, comenta ela, acrescentando: “Até mesmo os trajes a gente empresta, nem precisa ser descendente; é preciso apenas querer dançar, manter uma cultura viva, ter esse sentido de voluntariado, porque a recompensa não é dinheiro, é algo muito maior”.

Preocupação dos mais velhos

Atualmente, a colônia conta com 36 pessoas no grupo de dança adulto; 35 no de adolescentes e infantil; 12 do na terceira idade; 38 no coral; 14 no coral infantil, além de ter uma banda, a Schnapsmuisig, com 5 integrantes, e 3 participantes no grupo de jogo de bandeiras. A rotatividade é alta porque muitos deixam a cidade para fazer faculdade ou trabalhar fora. “Mas muitos também começam a participar”, conta Raquel, salientando que por viajarem muito, o grupo de dança acaba sendo uma janela para outras pessoas se interessarem.

Ainda assim, os mais velhos temem pela manutenção de suas tradições. “Não é fácil”, diz o presidente da colônia,  Carlos Alberto Ambiel. Descendente da família Ambiel, que junto com a Amstalden, Bannwart e Wolf são reconhecidas como as quatro fundadoras da Colônia Helvetia, ele conta que é preciso muita dedicação para manter a cultura viva entre as novas gerações. Ele mesmo relata que só foi ver a importância disso quando adulto. “Como só tínhamos escola até o quarto ano, quando íamos para a cidade, sofríamos influência dos outros, éramos vistos como caipiras, mas depois (mais velhos) percebemos o valor que tem isso aqui”, diz. Ele ressalta ainda sobre formas fundamentais de perpetuar a cultura: estimular as crianças desde cedo e imprimir o espírito de voluntariado.

Para o reconhecido regente do coral, o suíço Arnold Heuberger, chamado carinhosamente de Noldi, tem ficado cada vez mais difícil arrebanhar os mais jovens. “E isso não é mau, isso é normal”, justifica ele, lembrando que quando atingem a adolescência, os jovens que quando crianças simplesmente seguiam os pais passam a querer ir na balada, ouvir outras músicas, estabelecerem novos relacionamentos, e as tradições ficam em segundo plano. Mas ainda assim, nas apresentações do coral Jodlerklub que ele fundou com a sua experiência trazida do Obwaldnertrachten Chörli, Noldi consegue silenciar o público e obter toda atenção de jovens e dos mais velhos com o som do canto suíço, como o yodel. Há 20 anos no Brasil, ele também é professor de alemão para os jovens da comunidade, mas diz encontrar certa dificuldade para ensinar o suíço-alemão. “Primeiro eles têm de aprender o alemão, porque de outra forma é impossível.”

Outra forma de não esquecer o passado e aprender com ele é a atuação do colegiado de ex-presidentes da colônia. “Dessa maneira, conseguimos nos renovar sem perder as sequências das decisões”, conta o ex-presidente José Carlos Bannwart, que destaca como fator de preservação das raízes e desenvolvimento da comunidade a importância sempre dada à educação (ver box).

Mais o convívio parece ser mesmo um dos fatores mais importantes. Desde cedo vendo os pais e demais parentes empenhados em transmitir o que aprenderam com seus antepassados, os jovens parecem se contagiar. José Carlos é um exemplo. Desde cedo envolveu os filhos nas atividades, que hoje dão continuidade servindo voluntariamente à colônia, seja nos grupos culturais, seja na organização. São eles agora que passam o que aprenderam aos próprios filhos, mais uma nova geração, que comemora com a mesma animação dos pais e avós festas como a da Tradição.

600 anos de São Nicolau de Flüe

A Festa da Tradição este ano marca a comemoração dos 600 anos do padroeiro da Suíça, São Nicolau de Flüe, que nasceu em 21 de março de 1417 e morreu na mesma data 70 anos depois, em 1487. De origem pobre, desde cedo ele queria ser monge ou eremita, mas as obrigações do trabalho no campo o impediram. Mais tarde casa-se e tem dez filhos, vários deles assumindo o sacerdócio ao crescerem. Por seu reconhecido caráter de retidão, foi chamado várias vezes a assumir cargos públicos, como juiz, conselheiro e deputado.

Só aos 50 anos, com a concordância da família, ele deixa a vida que levava e vai morar em uma cabana que construiu, em um local abandonado, dormindo sobre uma cama de tábua e fazendo uma pedra de travesseiro. Mas mesmo vivendo como eremita, foi procurado várias vezes para mediar conflitos e chegou a atuar em campos de batalha, tendo grande reconhecimento pela atuação na reconciliação das partes envolvidas.

Respeitado por católicos e protestantes, foi conselheiro espiritual e moral de pessoas de diversos níveis sociais. A história registra que a Suíça se tornou um país considerado neutro e pacífico devido a influência do “Irmão Klaus”, como ainda é lembrando São Nicolau de Flüe. As cerimônias religiosas são celebradas na capela da colônia. “Essa capela é um fac simile da de Giswil, no cantão Obwald, construída pelos nossos antepassados”, conta o padre Álvaro Augusto Ambiel. Aos 55 anos de sacerdócio e descendente das famílias fundadoras da colônia, ele diz se sentir feliz, mergulhado nas próprias raízes familiares, sociais, culturais, religiosas e lúdicas. 

Fonte: José Carlos Bannwart e site da Colônia Helvetia

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