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Desenvolvimento da competência intercultural é imprescindível para se viver no exterior

As perspectivas ao emigrar para um outro país muitas vezes não são correspondidas. Keystone

Decepcionados, brasileiros emigram; despreparados, podem não tolerar a mudança cultural e ver o sonho ir por água abaixo.

Muito tem se falado sobre as consequências das crises econômica e política no Brasil, que têm levado muitos brasileiros ao exterior. Segundo dados da Receita Federal, entre 2011 e 2015 houve um aumento de 67% no total de Declarações de Saída Definitiva do País, o documento apresentado ao Fisco por quem emigra. Junto com a experiência profissional e o diploma, alguns brasileiros levam na mala o emprego garantido, a maioria vai com a família, mas em comum, todos fogem da crise e carregam sonhos de uma vida melhor. Só que a maioria desconhece um item que não deveria faltar na bagagem: competência para lidar com diferenças. Sem isso, a tão esperada oportunidade de fazer uma carreira internacional e de mudar de vida pode dar errado.

* Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

Leitura sobre o país de destino e treinamento são uma das maneiras de melhorar essa habilidade. De acordo com estudo da Unesco, publicado em 2015, competência intercultural refere-se ao conhecimento adequado sobre culturas particulares, assim como conhecimento geral sobre diversas questões que possam acontecer devido a essas interações, além de atitudes receptivas que encorajem o contato com grupos diferentes dos seus. Já o termo Sensibilidade Intercultural refere-se à capacidade de fazer diferenciações perceptivas complexas entre os padrões culturais.

A competência e a sensibilidade intercultural são habilidades que podem e devem ser aprendidas e treinadas. Existem diversos cursos e treinamentos no mercado direcionados ao público em vias de emigrar ou já quando estabelecido no país estrangeiro. Existem também treinamentos para esposas e famílias, que podem ajudar no período de adaptação. O objetivo é criar uma consciência mais aberta às diferenças e permitir que pessoas consigam entender melhor atitudes tão diversas, nunca esperadas por um brasileiro, por exemplo. O problema é que muitos brasileiros nunca ouviram falar nessa possibilidade e acreditam que emigrar vai resolver todos os problemas que tinham no Brasil.

Treinamento e informação ajudam imigrantes – O que isso significa na prática? Pessoas têm maneiras diferentes de fazer as coisas, palavras têm conceitos distintos em outras nações. A brasileira *Ellen Pires, que passou por treinamento intercultural pago por sua empresa antes de ser expatriada para a Suíça, relata que foi de grande valia, já que teria se sentido mal se não soubesse que os suíços geralmente não conversam enquanto trabalham, ao contrário dos brasileiros. “Eles deixam para trocar ideia na hora do cafezinho, pontualmente às 9h30min. Depois disso, foco total no trabalho e conversa só se for sobre assunto profissional. Se eu não tivesse sido treinada sobre essas diferenças, teria achado que era pessoal contra mim.  Ainda bem que fui orientada, porque essas diferenças sutis fazem toda a diferença no dia a dia”, conta.

Quem deixa o seu país de origem sem se preparar para viver com pessoas tão dissemelhantes pode não tolerar o choque cultural e até entrar em depressão. Especialistas no assunto relatam já terem visto muitos executivos de alto escalão não conseguirem lidar com pessoas de diferentes culturas, simplesmente porque em outros locais liderança é exercida de uma outra maneira ou pelo distanciamento entre a vida privada e profissional, abrindo espaço para muitos mal-entendidos.

O mundo é muito maior que a sua cidade – Trocando em miúdos, aumentar a sensibilidade intercultural seria preparar o indivíduo para abrir a mente e imaginar que o mundo é muito mais que a sua cidade, seu bairro ou casa. Isso envolve praticamente tudo, porque a cultura é ampla e acompanha o ser humano em suas atividades mais básicas, que vão desde a sua alimentação, passando pelo horário da refeição, noções de higiene, idioma, tom de voz, distanciamento entre interlocutores, música e muito mais.

Muitos estudos se desdobraram em desvendar os motivos pelos quais expatriados preferem desistir e voltar ao país de origem antes do prazo. Os números de insucesso ficam na casa de 16% a 40%, segundo estudos internacionais. De acordo com pesquisa feita pelos consultores em Liderança Stewart Black e Hal B. Gregersen, retornos prematuros acontecem por falta de ajuste transcultural por parte dos expatriados, de suas esposas e famílias. Black e Gregersen conduziram estudo em 1997 que indica que entre 10 a 20 dos expatriados americanos de um grupo de 100 enviados a outros países retornam prematuramente por insatisfação com seus trabalhos e choque cultural. E um terço dos que conseguem fechar o ciclo não têm a performance esperada pelas suas organizações, justamente por essa inadequação.

A psicóloga intercultural Andrea Sebben prepara expatriados brasileiros swissinfo.ch

De acordo com a psicóloga intercultural Andrea Sebben, diretora da Equipe Andrea Sebben, autora de diversos livros sobre o tema e treinadora de expatriados, à luz da Psicologia Intercultural, que define as personalidades migratórias, existem pessoas que são naturalmente bem-sucedidas na migração por terem facilidade em criar vínculos, em experimentar coisas novas, em adquirir um novo idioma e, principalmente, por que conseguem participar de grupos muito facilmente. “Fazer parte de uma comunidade e vincular-se ao país hospedeiro são cruciais para o expatriado”. Segundo Andrea, a outra personalidade é aquela que sofre com a separação, que tem dificuldade em criar vínculos, em sentir-se parte do grupo, em aprender um novo idioma e em experimentar novos alimentos. Esse tipo sofre na partida, durante a expatriação e quando volta, pois uma vez que se estabelece na cultura estrangeira, sofre demais também ao retornar ao país de origem.

Brasil e Suíça são como água e vinho

Deixar o Brasil e viver especificamente na Suíça é um grande desafio. Os países são muito diferentes um do outro em termos culturais. Entre as várias categorias desenvolvidas por antropólogos e estudiosos do tema no mundo, os dois países, embora pertencentes ao Ocidente, diferem muito e geralmente estão nas extremidades opostas dos gráficos de comparações entre as duas culturas. E para piorar a situação, muitos dos brasileiros nunca tiveram qualquer contato com treinamento intercultural e precisaram aprender a duras penas que a vida pode sim ser muito estranha à realidade conhecida.

Na tese de mestrado sobre Barreiras Culturais enfrentadas por Mulheres Brasileiras na Suíça Alemã, escrita por mim em setembro de 2016 pela Universidade de Lugano, ficou comprovado que somente uma brasileira, das dez entrevistadas, conhecia treinamento intercultural. Do total de mulheres, três eram casadas com brasileiros, que emigraram como expatriados. Deles, nenhum teve qualquer preparação para viver no exterior; um recebeu um livro sobre o país. As barreiras culturais enfrentadas por essas mulheres, gerando problemas para as famílias, estão totalmente atreladas à falta de consciência intercultural e preparo para uma mudança tão grande em suas vidas.

As diferenças – A grosso modo pode-se dizer que um é água e o outro é vinho. Se a Suíça é um país extremamente individualista, o Brasil encontra-se no grupo dos coletivistas. Família, para culturas individualistas, engloba pai, mãe e filhos. Para outras mais coletivistas, inclui até mesmo tios de primeiro, segundo e terceiro graus.

Quanto o assunto é gerenciamento do tempo, de novo as diferenças são gritantes. Enquanto os suíços levam o assunto pontualidade como quase uma religião, como explica o interculturalista Richard Lewis, autor de diversos livros sobre o assunto. Já para o brasileiro, o tempo é relativo e pontualidade não é sua característica mais forte. Na categoria tolerância à incerteza, a Suíça está ocupa posição de destaque no gráfico. O brasileiro, ao contrário, está acostumado a viver na corda bamba. Esse tipo de diferença, no dia a dia, traz muitos problemas. Mas se os dois grupos culturais estivessem a par da normalidade na diferença de comportamento e de valores, certamente não haveria tanta desarmonia e estresse desnecessário.

*O nome da entrevistada foi modificado para preservar sua identidade.

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