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Teresa Salgueiro canta sonhos e feitiços em Genebra

Teresa Salgueiro explica à swissinfo.ch porque saiu do Madredeus depois de 20 anos à frente de um dos mais conhecidos grupos musicais de Portugal. cortesia

Os anos passam por Teresa Salgueiro, mas parecem não ter ousado roubar-lhe o ar gaiato, a candura e doçura que lhe conhecemos nos primeiros anos. Mais importante ainda, não perdeu a voz pura, limpa, segura e sem vibrato, que fazia a alma do grupo português Madredeus.

Uma voz que apesar de ter amadurecido, continua a revelar características típicas de uma soprano. Antes do concerto que deu em Genebra no dia 11 de Março, a artista falou-nos dos objectivos que têm norteado uma década de criação a solo, numa rota de navegação que desbrava caminhos novos sem renegar o passado com os Madredeus.

O divórcio

Teresa Salgueiro acredita que “Estamos no mundo para sermos felizes e para procurarmos a felicidade dos nossos semelhantes”. Talvez por isso mesmo não se tenha esquivado ao desejo “secreto” do público, cantando no palco do Teatro Leman alguns dos temas que deram aos Madredeus uma enorme projecção internacional. Um gesto de ternura que o público, na maioria portugueses, agradeceu calorosamente.

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Na conversa com a swissinfo.ch antes do espectáculo, respondeu com a mesma transparência à pergunta da praxe: Voz dos Madredeus durante vinte anos, por que razão decidiu em 2007 sair do grupo para se dedicar aos seus projectos a solo?

Depois desses vinte anos, o grupo fez uma pausa de um ano para combinar como reorganizar o calendário, explicou. Confrontada com a proposta de um contrato de sete anos de prioridade, “sem qualquer tipo de flexibilidade”, convidada a escolher “sim” ou “não”, Teresa disse “não”. “Eu tinha entrado com 17 anos para o grupo, dediquei toda a minha vida ao grupo, e achei que aquela inflexibilidade não fazia sentido.”

O meu sonho era continuar a cantar

Pensou abandonar a música? “Longe disso”, diz-nos a cantora. “Decidi que não ia desistir da música.” Durante aquele ano de pausa, Teresa tinha gravado três discos – um no Brasil, com um grupo de músicos do Brasil, o álbum “Você e eu”, dedicado ao cancioneiro brasileiro entre os anos trinta e setenta; outro, o álbum “La Serena”, acompanhada pelo quinteto de cordas Lusitânia Ensemble, com canções célebres em vários idiomas, “reflectindo a viagem que eu tinha feito com os Madredeus”; e um terceiro, o álbum “Silence, Night and Dreams”, a convite do compositor polaco Zbigniew Preisner, editado pela EMI Classics.

Criadora do meu reportório

Desde o momento quando saiu do grupo, desejou continuar a dedicar-se à criação de um reportório original, na linha do que tinha feito sempre com os Madredeus. Sublinha que foi um passo de grande transformação, pois “uma coisa é ser intérprete, ao serviço de um grupo e de um reportório com o qual eu me identificava inteiramente e num período quando os discos tinham ainda um papel muito diferente daquele que têm hoje, e outra é ser a criadora do meu reportório, passar a produzir os meus discos e gerir uma equipa de músicos e técnicos.”

Diferenças, mudança? Fala de um caminho que se foi fazendo, frisa que “a própria música é expressão da minha mudança”. Esta nova etapa não é exactamente um corte, pois “os Madredeus também se confundem muito comigo, fazem parte de mim.” Foram vinte anos, “toda a minha juventude”, cresceu e amadureceu como artista dedicada àquela música, que continua a considerar um exemplo e pela qual diz sentir muita gratidão. A música dos Madredeus continua a marcar presença entre várias outras músicas portuguesas que faz questão de incluir nas apresentações ao vivo. Ao mesmo tempo, aquilo que faz hoje é diferente, explica, pois “é criado por outras pessoas e são outros instrumentos, apesar de alguns serem comuns.”

Sonhos e encantamentos

Confessa que precisou de alguns anos até encontrar o grupo de músicos com os quais conseguisse trabalhar e criar o reportório que foi publicado em 2012, o primeiro álbum do qual foi a autora, “Mistério”, gravado em Agosto de 2011 no Convento da Arrábida. Seguiu-se o DVD “Grandes Monólogos”, mais uma vez a convite Zbigniew Preisner.

Madredeus

Em vinte anos de carreira, os MadredeusLink externo lançaram 14 álbuns e estiveram em turné em 41 países. Foi um dos grupos musicais portugueses de maior projecção mundial, combinando influências da música erudita e da música popular portuguesa.

Os fundadores do grupo, Pedro Ayres Magalhães e Rodrigo Leão, descobriram Teresa Salgueiro quando esta cantava com amigos numa casa nocturna de Lisboa. A participação do grupo no filme “Lisbon Story” de Wim Wenders contribuiu para um salto impressionante na projecção internacional dos Madredeus. 

O grupo teve duas formações principais: a primeira, que durou dez anos, com um acordeão, violoncelo, duas guitarras, sintetizador, e uma segunda, quando saíram o acordeão e o violoncelo e entrou um baixo acústico. 

O segundo álbum, “Horizonte”, surge depois de quatro anos de uma intensa actividade em palco e é fruto de um trabalho de grande fôlego: Teresa assina as letras, composição e interpretação. Os instrumentos utilizados são os mesmos do disco anterior – uma bateria, contrabaixo, duas guitarras e um acordeão, o instrumento que tinha estado no seu início com os Madredeus. Teresa Salgueiro explicou ao público que enchia a sala do Teatro Leman que as letras deste álbum reflectem muito a sua forma de olhar o mundo. “Êxodo”, um dos temas que cantou em Genebra, é provavelmente aquele que comporta a maior carga emocional – a canção fala dos povos excluídos, as populações de refugiados e deslocados, forçados a abandonar as suas terras de origem. 

Um álbum que procura uma linguagem musical mais profunda, a fazer jus ao título. “O horizonte representa os nossos sonhos, é aquela linha limite do nosso mundo tangível”, diz Teresa, acrescentando que “a vida é a procura dos nossos sonhos e vai-nos transformando à medida que caminhamos na direcção deles”. Sempre sensível a uma mística encarnada na realidade humana, evoca Sebastião da Gama: “Pelo sonho é que vamos.” Para a artista o sonho é aquilo que nos faz caminhar e melhorar. Este seu último trabalho é um hino à vida e à criação, à natureza, ao universo e à realidade humana, um disco que exprime “os sentimentos e pensamentos que fazem o meu contacto com o mundo.”

A música é uma linguagem universal, que não conhece a barreira da língua, e por isso os seus concertos, tal como nos anos dos Madredeus, cativam públicos estrangeiros que não entendem a língua portuguesa. Ao mesmo tempo, há na sua voz uma magia que desencadeia singulares encantamentos: “Tem-me acontecido várias vezes uma experiência muito bonita: vêm pessoas dizer-me que decidiram aprender português para poderem entender as letras que me ouviram cantar.”

Foi assim também na sala do Leman. O público acolheu com carinho a menina de olhar terno e voz sonhadora, deixou-se cativar pelo gesto sóbrio e meigo com que Teresa se move no palco. Acompanhada por Rui Lobato na bateria, percussão e guitarra, Óscar Torres no contrabaixo, Marlon Valente no acordeão e Graciano Caldeira na guitarra, Teresa Salgueiro enfeitiçou. A doce sereia pacificou as vagas e arrebatou as almas, numa viagem a bordo da sua caravela encantada, por mares nunca dantes navegados.

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