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Quando a democracia corrige os governantes

Políticos prestando juramento
Membros do Conselho Federal (Poder Executivo) na Suíça fazem juramento no Parlamento em 12 de dezembro de 1943. Keystone / Str

A guerra já havia acabado, mas os governantes na Suíça ainda tendiam ao autoritarismoLink externo. Foi apenas 1949 que os eleitores colocaram os ministros nos eixos ao aprovar a iniciativa popular "Volta à direta democracia" graças a uma maioria apertada de 50,7%.

A democracia é considerada demasiado lenta em tempos de crise. Por isso o Parlamento federal havia autorizado o Poder Executivo a declarar estado de emergência pouco antes da eclosão da II Guerra Mundial. Com esses poderes, o Conselho Federal (n.r.: corpo de sete ministros que governa o país) foi autorizado a decidir os rumos do país sem qualquer restrição parlamentar.

Povo sem voz

O Parlamento federal também usou e abusou das medidas de urgência. Com resultado, o povo foi freado como terceiro poder na democracia, ao lado do governo e Parlamento. As medidas tiravam do eleitor a possibilidade de corrigir democraticamente as leis através de referendos.

O artigo faz parte da plataforma #DearDemocracy, a plataforma da swissinfo.ch para a democracia direta. 

O povo não tinha mais influência sobre a agenda política: o governo federal e o Parlamento colocaram a democracia direta em coma artificial.

A prática de governar através de medidas de emergência não terminou com o final da guerra, em 1945. Apesar da promessa de retorno à democracia, as mudanças ocorriam de forma lenta.

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“O tom patriarcal do Estado policial”

Sem as duas iniciativas apresentadas em 1946, ambas exigindo a volta do sistema de democracia direta, teria provavelmente demorado muito mais tempo. Ambos os referendos atacaram diretamente o poder quase ilimitado dos sete ministros (ver box).

Mas eles protelaram as iniciativas. “O Poder Executivo não sente a necessidade de voltar à democracia direta”, foi a manchete publicada em um jornal da época.

O crítico mais veemente do regime de emergência era o advogado constitucionalista Zaccaria Giacometti. Ele via na recusa governamental um “tom patriarcal do Estado policial” que era, ao mesmo tempo, expressão de uma grande crise na democracia suíça. O professor simplesmente descrevia o regime na época como “ilegal”.

Desprezando o parlamentarismo

Volta ao passado: os líderes suíços desenvolveram, na década de 1930, a chamada “defesa mental da pátriaLink externo“. Esse culto helvético de proteção da identidade nacional era um programa para lutar contra a ameaça nacional-socialista, representada pela ideologia de “sangue e solo” de Adolf Hitler.

A defesa mental da pátria era simbolizada pela imagem dos confederados, empunhando uma estrela da manhã e alabardas, duas armas de guerra comumente utilizadas pelos soldados mercenários suíços na Idade Média. A democracia, por outro lado, era enfraquecida nesse programa.

Foto de homem
Marcel Pilet-Golaz, membro do Conselho Federal nos anos 1940. Keystone / Str

Mas a crise da democracia na Suíça, assim como em outros países, não começou com o matraquear dos sabres alemães. Já depois do “crash” da bolsa de valores em 1929, as vozes antidemocráticas se tornariam mais fortes no continente. Seu objetivo era enfraquecer a influência da democracia, pois supostamente impedia um controle do poder efetivo em tempos de crise.

Nazistas suíços e os políticos de centro

Essa atitude era assumida, de forma mais radical, por simpatizantes suíços do Nazismo e fascistaLink externos. Os dois grupos ridicularizavam o Parlamento, democraticamente eleito, ao denominá-lo “barraca de fofocas”. A democracia deveria dar lugar a um estado com líderes fortes.

Mas a convicção da fraqueza do modelo democrático também ia além dos círculos extremistas de direita. No período entre as guerras, após a greve geral (n.r.: uma grande greve organizada em 1918 por trabalhadores suíços e reprimida pelo Exército), o lobby político passou a utilizar novos métodos de marketing. Seu objetivo: introduzir no imaginário coletivo a figura de um inimigo político que não poderia ser vencido por meios democráticos: era o conspirador mundial judeu-bolchevique.

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O que é uma iniciativa popular?

Este conteúdo foi publicado em Iniciativa popular é um instrumento da democracia direta (ou democracia semidireta) que torna possível, à população, apresentar projetos de lei. Ela permite que a sociedade possa influir diretamente sobre importantes questões cotidianas. Na Suíça, as iniciativas podem ser apresentadas se cumprirem determinadas exigências. Explicamos tudo neste vídeo.

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Para muitos, a solução eram as chamadas formas corporativistas de governo. Corporações são organizações profissionais que se assemelham às corporações de ofício da Idade Média. E estas deveriam substituir os parlamentos. O Estado seria governado por uma liderança forte ou um forte líder. Porém as corporações deveriam apenas atuar como consultores da liderança autocrática.

Democracia à beira do abismo

A tendência autoritária do governo federal sobreviveu dessa forma os anos de conflito. Três anos após o fim da II Guerra Mundial, o Conselho Federal e o Parlamento ainda se opunham ao regresso à democracia através dos referendos.

Em 1948, o ministro Karl Wick (católico e conservador) chegou a dizer que um Estado também poderia “democratizar-se até a morte”: “A democracia é importante, mas a segurança interna e externa do Estado é ainda mais importante”.

Poucos parlamentares apoiaram as duas iniciativas populares, lançadas paralelamente, reclamando a volta à democracia direta. Um deles era o deputado-federal e sindicalista Max Weber. “Não podemos combater o perigo de uma ditadura, o perigo de medidas antidemocráticas, restringindo a democracia”, disse na época.

Alianças estranhas: a “Liga do cantão de Vaud”

Mas a democracia direta ainda exercia sua influência. O principal impulso veio de uma iniciativa popular intitulada “Volta à democracia direta”. Ironicamente os autores não eram democratas irredutíveis. Pelo contrário, o núcleo duro dos iniciadores era composto por membros de uma organização chamada “Liga do cantão de VaudLink externo“.

Era um movimento de protesto interpartidário, originário nesse cantão de língua francesa. A Liga havia sido fundada em 1933 para combater a introdução de impostos cantonais sobre os vinhos regionais.

A Liga era contrária ao centralismo e liberal. Marcel Regamey era o fundador e um dos autores da iniciativa. Também alguém que não escondia o desprezo pela democracia. Em 1944 lamentou a decadência do Terceiro Reich. Considerava até “defensável” a “libertação da economia das garras do capitalismo judeu internacional” e a unificação de todos os países europeus sob uma única bandeira.

Assim, os próprios autores da iniciativa disseminavam um espírito que deveria ser combatido pela proposta lançada por eles. No final, o paradoxo: forças antidemocráticas é que deram o impulso para a ressurreição da democracia direta na Suíça.

Suíça sob uma “ditadura provisória”

A expressão foi utilizada pelo refugiado e jurista alemão Hans Nawiasky ao criticar a situação na Suíça depois que chegou ao país, em 1943. O professor de direito constitucional Andreas Kley concorda. “O governo federal não se via mais controlado pela Constituição. Ele podia aplicar as leis de emergência no âmbito da competência dos cantões e não tinha de respeitar as liberdades civis.”

Houve duas iniciativas populares para reintroduzir a democracia direta.

Em 1949, os eleitores e os cantões aprovaram a primeira iniciativa – o governo federal e o Parlamento ficaram chocados. A segunda iniciativa foi retirada. No sentido de uma contraproposta indireta, o regime da lei de emergência foi abolido em 1952.

(Fonte: Thomas Kley no jornal NZZ em 4 de maio de 2015)

Adaptação: Alexander Thoele

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