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Espetáculos suíços presentes no festival de teatro de Almada

Cena de Cinema Apollo, de Matthias Langhoff. vidy.ch

No 32º Festival de Teatro de Almada, foram apresentadas duas peças suíças, ambas com produção do Théâtre Vidy-Lausanne. King Size, de Christoph Marthaler, conta ainda com a produção do Theater Basel, teve honras de abertura do festival, Palco Grande da Escola D. António da Costa. No caso de Cinema Apollo, de Matthias Langhoff, subiu ao palco do Centro Cultural de Belém, no penúltimo dia do festival, com ecos de ser a última representação.

Num quarto de hotel inundado em azul-celeste, entre uma cama king size, que dá título à peça e torna-se o objecto de maior destaque no décor, e o mobiliário opulento decadente, a cena desenrola-se. Os quatros personagens, incluindo o pianista-cantor que acompanha este recital que não deixa de ser teatro, são forçados a partilhar aquele espaço, sem nunca se tocarem ou se verem, imersos nas suas vidas solitárias. Contrariamente ao primeiro pensamento que ocorre pelo facto de estarmos num quarto, também neste aspecto, o autor dirige-se no sentido contrário a um possível lugar-comum. Talvez esse caminho inesperado pelo qual somos conduzidos, esteja presente pelo facto de Marthaler servir-se do conceito de enarmonia, uma técnica musical que permite escrever um mesmo som, com a mesma altura, de duas formas diferentes, procurando mostrar aquilo que para o autor é a vida: “uma constante evolução e metamorfose”. Apesar do humor que roça constantemente o absurdo, este espetáculo, tal como Rodrigo Francisco, diretor do Festival de Teatro de Almada, partilhou com swissinfo.ch, acaba por ser “uma reflexão também muito premente e um tanto amarga sobre a vida.”

Teatro e cinema

A cenografia de Cinema Apollo não deixa ninguém indiferente. O seu palco giratório, de uma dimensão monumental, mostra o foyer do Teatro Apollo e a cada movimento proporciona uma perspectiva ao espectador que se assemelha a um plano cinematográfico, traduzindo, igualmente, dessa forma o sentimento despertado em Rodrigo quando assistiu ao espetáculo em Lausanne, “uma declaração de amor ao cinema e ao século XX”. Matthias Langhoff, que assinou o texto em conjunto com Michel Deutsch e foi auxiliado na encenação pelo seu filho Caspar Langhoff, parte do romance Il Disprezzo, de Alberto Moravia, colocando em cena a personagem Riccardo, com o mesmo nome no romance. Embora o texto seja inspirado no livro, visualmente o autor e encenador vai beber à adaptação de Godard do mesmo romance, em Le Mepris, talvez por esse motivo a peça esteja bastante preenchida com apontamentos audiovisuais e um filme próprio, realizado pela companhia. O filme intitulado Encore une Bière, também ele inspirado no Ricotta, de Pasolini, é projetado durante a primeira parte do espetáculo, mostra os técnicos e atores que acompanham Langhoff  descontraidamente a ensaiar e em momentos de convívio, intercalando com a leitura de passagens de Odisseia, podendo ser vista a cena em que Circe alimenta os companheiros de Ulisses, atirando-lhes bolotas e frutos secos para um curral de porcos, no final.

No Teatro Apolo é projetado o filme Il Ritorno de Ulisse pela última vez, Riccardo, o argumentista do filme, sai da sala estando ainda a decorrer o genérico, segurando uma cerveja e dirige-se para o bar. Apesar de não haver cerveja, e da rapariga que vende pipocas sugerir que fosse buscar ao bistrot do outro lado da rua, Riccardo não se importa e continua a conversar com Emília, expondo-se perante ela, verbalizando o desprezo que sente pela relação que teve e que terminou há 20 anos, após a ruptura com a sua mulher, que o deixou por um produtor de cinema, culminando, de seguida, com a morte trágica dela. O personagem insiste em ver a cena que se desenrola aos 47 minutos e 13 segundos: Ulisses despede-se de Circe para regrar a Ítaca, para junto de Penélope.

Cena de da peça King Size, de Marthaler. Simon Hallstrm, ICONIQ Studio GmbH

Não sabemos se é nessa noite que Riccardo regressa à sua Ítaca ou se parte de Ítaca, enterrando esse desprezo acumulado durante 20 anos, despedindo-se, através do filme, da sua Emília e seguindo para outra paragem. A rapariga que vende pipocas poderia ser Emília, e ele confronta-a com as razões da separação, projetando nela a sua libertação.

Peças suíças no festival

Apesar de Rodrigo Francisco assumir que não tem um conhecimento profundo do teatro suíço, replica imediatamente que “conheço, isso sim, o Theatre de Vidy-LausanneLink externo, que foi um teatro fundado pelo Mathias Langhoff”. A ida do diretor do festival a Lausanne para assistir ao Cinéma Apollo, converteu-se numa proposta dois em um porque acabou por negociar com o diretor do Théâtre Vidy-Lausanne, Vincent Baudriller, antigo diretor do Festival d’Avignon, a ida de ambas as peças a Almada. Na verdade, o facto de Baudriller ter conhecimento das limitações que existem quando se programa um festival, contribuiu para que fosse possível exibirem ambas as peças.

Este foi o primeiro ano em que marcaram presença peças exclusivamente suíças e de autores suíços, tendo acontecido na edição 31 do Festival a estreia de Les Corbeaux, de Josef Nadj que era uma co-produção do Théâtre Vidy-Lausanne. A relação com Vidy-Lausanne começa a ganhar alguma consistência, podendo contribuir para o seu desenvolvimento esta relação que começou este ano, juntamente com o prestígio que o Festival de Teatro de Almada alcançou internacionalmente, particularmente pelo seu público fiel que não é, praticamente na sua totalidade, composto por profissionais de teatro.

Festival de Teatro de Almada Apesar de ter um lugar já cimentado no panorama cultural português, os elementos do festivalLink externo procuram continuar a introduzir elementos que acrescentem algo ao festival, não procurando a novidades apenas por isso. Este ano, organizaram um ciclo sobre o Novíssimo Teatro Espanhol, onde foram apresentadas peças de diversos pontos de Espanha, dando a conhecer a diversidade cultural desse país e reaproximando os dois países ibéricos. Segundo Rodrigo, quando elaboram a programação do festival “a única preocupação é que os espetáculos sejam bons. Não há temas.”, para não excluir e, dessa forma, proporcionar diversidade artística e temática ao público. Este ano, as assinaturas para o festival esgotaram e todos os espetáculos tiveram praticamente a sala completa. No entanto, para além das sessões terem sido concorridas, Rodrigo destaca o aumento de público nos eventos paralelos, tais como colóquios e discussões. Sobre o futuro do festival de teatro, apesar de ser financiado precariamente e de ter de concorrer novamente em 2017 para os apoios da Secretaria de Estado da Cultura, o diretor assume que “seria difícil politicamente decidir o fim do apoio a um festival já com 31 anos de existência”.

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