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Doentes na Colômbia precisam recorrer a um juiz antes de ir ao médico

Paciente em cadeira de rodas é conduzido à emergência de um hospital de Bogotá, Colômbia, em 21 de maio de 2018 afp_tickers

Quando foi diagnosticado com leucemia, o cadeirante John Salamanca precisou recorrer a um juiz antes de ir a um médico para não morrer. Centenas de milhares de pacientes devem seguir o mesmo procedimento no sistema de saúde da Colômbia.

Valorizada internacionalmente por sua cobertura, que atende 94% dos 49 milhões de habitantes, a saúde é, no entanto, a principal preocupação dos colombianos às vésperas do primeiro turno das presidenciais, no próximo domingo (27).

Nem a corrupção, nem o narcotráfico, ainda menos o futuro da truncada implementação do acordo de paz que pôs fim a um conflito de meio século com as Farc, inquieta tanto os eleitores como este tema, segundo pesquisa publicada este mês pela empresa Invamer.

Salamanca, que perdeu a mobilidade após ficar soterrado em uma mina de esmeraldas, personifica esta insatisfação coletiva. “Acho que estaria morto” sem um juiz, conta à AFP este homem de 38 anos, sem filhos, que sobrevive como vendedor informal.

Graças a um recurso de amparo (tutela), pôde seguir com seu tratamento de forma regular, embora depois o instituto de oncologia tenha suspendido o atendimento, alegando o fim do contrato com a seguradora.

Recorreu à Justiça uma vez mais. “Sempre tenho que lutar para sobreviver e receber um atendimento digno”, lamenta no quartinho que aluga no sul de Bogotá. Um dia de trâmite é um dia sem trabalho.

A mesma experiência se repete entre usuários que aguardam tratamento, sobretudo no caso de doenças de alto custo.

Até 2015, a Justiça analisava por ano 157.000 tutelas de saúde, segundo a Defensoria do Povo, enquanto a superintendência que regula o setor recebe 1.300 queixas diárias.

– Prejuízo e corrupção –

É um sistema “excessivamente judicializado”, admite em declarações à AFP o ministro da Saúde, Alejandro Gaviria, apesar das reformas que melhoraram o acesso a remédios e tratamentos.

Ele próprio vítima de um linfoma do qual se recupera, Gaviria venceu a queda de braço com as poderosas farmacêuticas e conseguiu baratear os custos dos tratamentos mediante a introdução dos genéricos.

Em 1993, a Colômbia adotou um modelo semipúblico e solidário que lhe permitiu ampliar a cobertura a um custo relativamente baixo para o usuário, que destina cerca de 15% de suas despesas para a saúde.

Antes, apenas 23,5% da população estava coberta e a saúde era vista como um privilégio. Hoje, com o novo pacto, os mais ricos financiam os mais pobres. A Colômbia investe atualmente 7,2% do PIB em saúde e proteção social, enquanto a média na América Latina é de 4%.

Então, o que deu errado? Todas as EPS (Entidades Promotoras de Saúde privadas que fazem a intermediação entre usuários e clínicas) começaram a ter prejuízos, explica Jaime Arias, presidente da Associação Colombiana de Empresas de Medicina Integral, que reúne estas companhias.

E os olhares se voltam mais uma vez para a Justiça. Uma decisão de 2005 obrigou as seguradoras a financiar os procedimentos mais caros em troca de um reembolso de 75% das despesas. As perdas hoje beiram os 2,8 bilhões de dólares, segundo Arias.

Por trás dos números negativos, também há corrupção, admitem o ministro e o representante das EPS. Regularmente aparecem “cartéis” da aids ou da hemofilia: EPS que confabulam com hospitais e falsos pacientes para faturar com tratamentos inexistentes.

– “Esperam que eu morra” –

Aos 62 anos, Maria del Rosario Charris deixou a litorânea Barranquilla, onde nasceu, em busca de atendimento na capital, Bogotá. Ela tem um câncer de útero que se espalhou para quatro órgãos e espera que um juiz resolva sua tutela e lhe dê esperanças de vida. Sua EPS parou de atendê-la, após praticamente desenganá-la.

“Acho que estão esperando que eu morra para autorizar os cuidados”, afirma.

As EPS protelam “a prestação do serviço com trâmites desnecessários” e, assim, ganham um tempo precioso para a saúde de suas finanças. Mas isto obriga os pacientes a “judicializar um direito adquirido”, explica Nury Villalba, diretora da ONG Esperança Viva, que defende os pacientes.

“As EPS têm um fluxo de caixa limitado, assim fazem os pacientes esperar”, explica Paul Rodríguez, economista especializado em Saúde da Universidade del Rosario.

Em teoria, uma tutela deve ser decidida em dez dias.

Além de votar no futuro presidente, os colombianos também vão eleger no próximo domingo o que consideram o melhor remédio para o sistema: liquidar as EPS, como propõe o esquerdista Gustavo Petro, ou aumentar o controle e fiscalizar os subsídios, como defende o direitista Iván Duque.

Ambos são os que têm mais chances para disputar o segundo turno, em 17 de junho.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

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